terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Continuidade da Construção do Urinol de Barro

Piedade, primeiro de janeiro de dois mil e onze

Segunda oficina sob nova gestão, eleita no dia doze do mês de dezembro de dois mil e dez:

Continuidade da Construção do Urinol de Barro

Com a difusão da economia mercantil burguesa,

o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol

da razão calculadora, sob cujos raios gelados

amadurece a sementeira da nova barbárie

(ADORNO,T & HORKHEIMER,M)

Hoje retomamos a construção do urinol, esta oficina foi anunciada através do convite de Mutirão feito por Eugênio no dia trinta do mês de dezembro de dois mil e dez. Neste dia utilizamos a técnica de construção de parede modelado à guisa das construções de Taipa. Antes nivelamos a superfície interna do urinol, de modo que as pessoas possam adentrá-lo de forma mais confortável, evitando assim que tenham que arquear muito. Feito este primeiro trabalho de remoção de terra fomos à segunda etapa do trabalho, que consistiu em separarmos terra do morrinho que tangencia a estrada de fronte à sede da TAIPAL. Retiramos a terra, peneiramos e a colocamos em cima de uma lona, posteriormente introduzimos água e começamos a pisar no barro e fazer a massa. A medida que a massa de barro ia ganhando consistência fomos adicionando feixes de capim (liga) que deram mais força à massa, esta técnica é conhecida como cob. Ao todo conseguimos fazer cinco massas de barro cuja medida pode ser calculada em mais ou menos dez pás de terra por massa. A terceira etapa consistiu em moldá-la na estrutura (entrelaçada de cipó, bambu, ferro e sobras de malha de aço) do urinol. Com as mãos fomos pari passu preenchendo os espaços com a massa de barro. Quiça fizemos uns 20% do que ainda falta para a cobertura completa do Urinol. No próximo mutirão certamente mais barro moldarão nossos pés.


Conseqüências sociais do mutirão

Fora o trabalho com o barro, neste mesmo dia outro acontecimento nos suscitou uma iniciativa que se coaduna ao Estatuto da TAIPAL, isto é, além de ambiental nossa entidade têm caráter social. Neste dia nos deparamos com nossos pequenos vizinhos, Murilo, Willian, Vanessa e outras crianças. Eles apareceram na sede da ONG com suas garrafas pets e olhares resignados, com o objetivo de enchê-las da água de nossa cisterna. Reparamos que os pequenos estavam muito sujos. Quando lhes indagamos o porquê da falta de asseio a resposta que ouvimos deu-nos um nó na garganta: “Há dias que estamos sem água porque a bomba do poço queimou”. Diante de tal resposta não pudemos deixar de refletir sobre a situação deles e a falsa realidade de bem estar (tempo de festas, de presentes, ou melhor, tempo de aquecimento dos mercados, isto não se fala!) que tentam nos empurrar (principalmente pela indústria cultural) neste espaço temporal (Natal e Réveillon) específico do final e início de cada ano. Somado a isso a situação dessas crianças nos colocou outra questão: a da mentira que sistematicamente nos entopem os tímpanos quando dizem que somos iguais perante a lei na “Democracia" Liberal Burguesa (Estado de Direito). Seguindo a mesma latrina também nos empurram outra mistificação. Segundo a qual exercemos nossa cidadania através de nosso direito político (que ainda dizem que é direto) que é o voto direto que para nós é indireto. Bom, referimo-nos a isso porque ao olhar para aqueles meninos sem direitos é a cidadania inconclusa no Brasil que está em jogo. Simplesmente porque cidadania, mesmo para o Estado Liberal Burguês, deve contemplar direitos: políticos, civis, sociais, econômicos, culturais e (hoje) também ambientais. Por isso hodiernamente urge-se a importância de pensar e executar a reforma do Judiciário. Pensá-lo criticamente pressupõem concebê-lo como construção política que aqui no Brasil serve para manter a estrutura de Poder (via legitimação jurídica e política do Estado) das elites extremamente reacionárias de Bruzunganda. Assim, Fábio Konder Comparato escreveu uma obra genial para pensar o Direito (enfatiza os direitos humanos) que é "Construção Histórica dos Direitos Humanos"; a socióloga Maria Victória Benevides também pensa criticamente o Direito. Se dispuséssemos de um grupo de estudiosos (um dos objetivos da nova diretoria) nossa entidade poderia inclinar e fazer um rigoroso estudo de sociologia crítica do Direito a partir de suas disposições filosóficas positivistas e como isso configurou no Brasil uma República falaciosa. Mais interessante ainda, pensá-lo assim significada atrelá-lo a uma escalada de construção política, só isso já desmistifica sua áurea "democrática" que usa o slogan (retórica jurídica) de que a lei é igual para todos. Mormente propagada pelos jusnaturalistas (positivistas) que acreditam e professam que o Direito é a manifestação imanente da nossa própria condição humana (ou também reflexo de disposições consuetudinárias, outro embuste, se assim o fosse o aborto já estaria legalizado há muito tempo), isto é, o direito é naturalizado e não considerado como construção política, com isso se evita a politização dos conflitos sociais. Ainda dentro desta acepção há mais um ponto difícil de engolir, esses juristas (que são maioria) positivistas também afirmam que não existem direitos fora do Estado. Vejam bem o disparate! Portanto dentro de um Estado de Exceção as maiores atrocidades cometidas contra a pessoa humana podem ser cometidos por serem legais. Isto é, dizer que não existe direito fora do Estado é uma maneira repugnante de asseverar a manutenção da ordem e da Estrutura de Poder no interior do Estado, mesmo que ele seja violador de direitos, negue e não protega os direitos de cidadania (garantia de direitos básicos como alimentação, moradia, emprego etc...). Por exemplo, vejam como o Estado e a sociedade brasileiros (que são patrimonialistas) tratam as pessoas pobres (massacradas histórica e sociologicamente pelas nossas estruturas jurídicas e políticas que são resultantes de uma instituição que durou mais de trezentos anos, a escravidão). Se alguém for pego "roubando" (quem rouba de quem?) uma lata de margarina no supermercado, ele será preso e exposto a condições inumanas dentro dos nossos presídios que não são diferentes dos antigos navios negreiros e das masmorras medievais. Isso é um absurdo, essas pessoas serão tratadas como entes antrozes porque são pobres e porque o nosso Direito tem como fundamento defender a propriedade privada e não a pessoa humana. A TAIPAL enquanto sociedade civil organizada poderia focar e pensar criticamente a necessária Reforma do Judiciário. O sociólogo, filósofo e cientista político Luiz Eduardo Soares é um estudioso sobre essas questões. Outro exemplo é o movimento pelos Direitos Humanos que é uma demanda que vem de fora do Estado, só isso derruba o discurso positivista do Direito, que só existe direito dentro do Estado. Quando nosso grupo de estudos sociológicos estiver mais coeso podemos estudar o filósofo Agamben para pensar sobre essas questões. Mas já recomendamos os sociólogos, filósofos e epistemólogos da chamada Escola de Frankfurt, principalmente MARCUSE, BENJAMIN, ADORNO, HORKHEIMER e KRACAUER. No Brasil além dos já citados Luiz Eduardo Soares, Comparato e Benevides, podemos escrutinar por Guerreiros Ramos, Florestan Fernandes, Vera Malaguti Batista, Nilo Batista e Paulo Eduardo Arantes. Nos referimos a tudo isso porque a situação dos vizinhos da TAIPAL trata-se de um exemplo a olhos vistos de cidadania inconclusa (referência a José Murilo de Carvalho) e da necessária Reforma do Judiciário (pois sua não consecução criminaliza a miséria) e cabe a nós tentar entender o porquê de sua não realização (certamente porque suas conseqüências políticas e sociológicas, isto é, abertura concreta a mais democracia ─ abertura que nossas elites não vão permitir via instituição, isto é, tal reforma só é possível pela pressão popular. Simplesmente porque nossas instituições jurídicas e políticas servem para manter a Estrutura de Poder). Por isso fazemos aqui nossa Crítica ao Direito como construção histórica, sociológica e política, além de mantenedora da estrutura de poder no Brasil e não como instituição que garanta a liberdade e igualdade dos indivíduos perante a lei, como define a Constituição. Olhando para aqueles garotos o principal questionamento que nos veio foi: olha a dialética aqui, estampada na nossa cara, neste momento várias pessoas estão se fartando em mesas abundantes comemorando o ano novo. Desde quando passamos a refletir não entendemos o que se comemora, que convenção social mais estapafúrdia essa de comemorar um ano que se acaba, principalmente por ele carrega atos atrozes contra a humanidade. É isto que comemora-se? Por isso uma das propostas mais atrativas para o recomeço dos trabalhos da TAIPAL é nos debruçarmos sobre o calendário Maya e gradativamente nos livrarmos do calendário gregoriano, linear que esta distante dos ciclos naturais, só isso já demonstra a falta de sentido em comemorar um ano que começa pois este tempo está desalinhado aos ciclos naturais, fora o fato de não termos nada o que comemorar enquanto milhões de compatriotas perecerem de fome em berço esplêndido. Diante de tal situação insustentável e indigna sobretudo para crianças, ou seja, o não acesso a água somado ao descaso da assistência municipal (seja porque esta família não têm assistência social, seja porque não há saneamento adequado em sua casa, ou porque a via de acesso está em péssimas condições, além de terem que queimar o lixo doméstico porque não há coleta de lixo no local) em assistir esta família que passa por severas dificuldades, não hesitamos e entre nós, como alguns puderam acompanhar nas mensagens do grupo taipal, compramos e instalamos de imediato uma bomba (no dia três do mês de janeiro de dois mil e onze) e resolvemos o problema mais imediato. Destarte as onze pessoas que vivem neste lugar ao menos poderão tomar banho. Quando estivermos mais equipados e com mais capital intelectual, criacional e instrumental poderemos espraiar nosso sistema de bomba carneiro aos vizinhos da sede da TAIPAL e expandir esse sistema absolutamente viável e sustentável para demais famílias. Além disso, podemos trabalhar as técnicas de permacultura, mas isso demanda tempo e quando estivermos prontos não vacilaremos.

Ricardo Pereira da Silva e Eugênio B. da Paixão