segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Terra meu corpo

As relações que exigem boa nutrição e delicadeza

Elisabetta Recine*

Uma terra deserta, degradada, em agonia . Um corpo disfuncional, falido, mortificado. Imagens de maus-tratos.
Da terra. Do corpo. O mesmo ritmo e a mesma lógica perversa que levam a terra a exaurir-se e a perder o que ela
tem de mais essencial - sua fertilidade, a possibilidade da vida- também nos tornam doentes e nos antecipam a
morte. De um e de outro, exigimos produtividade, eficiência e impossibilitamos as lentas paciências de que todo
processo carece. Negamos -lhes a alimentação necessária , forçamos-lhes o alimento nocivo.
A industrialização reduziu a nossa cozinha a um armário de latas, nossa mesa foi substituída pela mecânica dos
self-service e os hábitos alimentares internacionalizaram-se por sugestão da propaganda comercial que padroniza
pratos que não são de nação alguma. O fato é que temos comido mal sob o signo da velocidade a fim de saciar outras
fomes. Assistimos à vitória do "progresso" contra a tradição valorizada da refeição.
O processo de urbanização e a entrada da mulher no mercado de trabalho geraram mudanças profundas na
normalidade da alimentação. Ficamos todos dominados por um cardápio insípido, decadente e pernicioso. Por causa
dos anúncios de refeição em latas, pastilhas, comprimidos, cápsula, nossas crianças pensam que a origem do leite é
a caixinha- delito nosso contra a natureza de todas as coisas. A vaca que produz o leite é um bom exemplo dessa
deformação: símbolo antiqüíssimo da terra nu triz, ela foi transformada pela cultura moderna no emblema da nossa
voracidade.
Do simbólico ao diabólico foi também a imagem da mulher como força nutridora. Nos tempos do culto a Deusa, a
Terra era a Grande Mãe e a mulher, sua representante. Hoje, ambas sofrem violência.

Progresso em vez de civilização

O brasileiro, em geral, come de uma maneira extremamente monótona. As poucas pesquisas de consumo alimentar de
que dispomos mostram que não mais do que 20 alimentos são responsáveis pela mairo parte do consumo das famílias.
Há, como disse Câmara Cascuda em História da Alimentação no Brasil, "uma tentação arrestante para fixar
importância no que preferimos". E, entre nós, para tornar a situação ainda menos atraente, os alimentos mais
consumidos são óleo, açúcar e macarrão. É claro que dependendo do nível sócio-econômico, encontramos algumas
variações, mais nada que deixe o panorama realmente melhor.
Seria necessário , em termos nacionais, aumentar em 4 vezes a variedade de frutas e verduras consumidas hoje
pelos brasileiros para diminuir as mortes por doenças crônicas e degenerativas, como a diabetes e o câncer, que
têm na alimentação o seu principal risco. Portanto, o nosso povo não morre só de fome, mas de má nutrição e de
comida em excesso, nociva para o corpo e para o meio ambiente.

Alimento e entendimento

Há uma relação estreita entre o estado atual de enfermidade da Terra e o de nossos corpos. A saúde de ambos
depende de uma mudança de paradigma: ao invés de nos colocarmos sobre e contra todas as coisas, precisamos estar
com elas, como nos sugere a permacultura.
A alimentação é uma metáfora da nossa relação com tudo quanto existe. Alimentarmo-nos com uma nutrição vital
é indispensável para o regate da dignidade da Terra e da nossa ecologia interior.
Se recuperarmos a compreensão dos ritmos naturais para produzir nossos alimentos, estaremos oferecendo apoio
à Terra e teremos uma expectativa do que ela nos retornará. Quanto aos nossos corpos, o respeito aos ciclos da
natureza exterior e interior fará com que a alimentação seja variada e adequada a cada época do ano, a cada fase
da vida. O alimento adaptado às nossas necessidades e às do planeta tem o poder de promover s saúde e, em muitos
casos, de recuperá-la. Tudo depende de uma atitude atenta e cuidadosa.
Agora entramos no outono e, então, é hora de fortalecer nosso organismo para que o trabalho de recolhimento
que terá o seu auge no inverno se processe da melhor forma- mesmo não sendo os nossos invernos tão rigorosos
quanto os das zonas temperadas, o movimento básico de expansão e contração está sempre presente. No outono,
devemos ficar dentro de casa, chamar os amigos, fazer um círculo, conversar, degustar sabores cada vez mais
pronunciados, concentrados. As raízes, as sopas, os cozidos são ideais para a estação. Devemos cozinhá-los
lentamente, em fogo baixo, para que o alimento revele sua força e para que aprendamos a importância da calma e da
atenção.
Quanto mais profundo o conhecimento e a relação de um povo com as formas de produção ecológica, preparação e
consumo adequados do alimento, maior o papel que terá a nutrição como elemento preservador da vida. Tudo isso pode
nos tornar sábios.

* Elisabetta Recine é nutricionista, brasileira e reside atualmente em Montevidéu, Uruguai.
erecine@adinet.com.uy


Outono, estação das frutas

A dinâmica universal de expansão e contração está presente nas estação do ano. Enquanto primavera e verão
fazem crescer e expandir, outono e inverno fazem encolher e secar.
Segundo Sônia Hisch, querida leitora dessa revista, o outono representa perdas e transformações." surge um
desejo de recolhimento, e a capacidade de realização do ser humano se exprime na tranqüilidade, a paz."
No outono, que vai de 21 de março a 20 de junho, deve-se aproveitar as delícias das frutas e as saladas
fresquinhas.



Frutas

Abacate . Banana . Caqui . Goiaba . Laranja . Limão . Maçã . Mamão . Maracujá . Pêra

Hortaliças

Abóbora . Berinjela . Chuchu . Inhame . Jiló . Mandioca . Milho verde . Pepino . Quiabo


Matéria retirada da revista " Permacultura Brasil - Soluções ecológicas" Ano VI . Número 14 de março de 2004
páginas 22 e 23 secção Alimento.
transcrita por Eugenio Bianchini da Paixão